Conciliação e Mediação no Novo CPC:
interstício reflexivo
Reflexão
interessante que o Novo Código de Processo Civil (Novo CPC) permite é quanto ao
interstício mínimo estabelecido para realização da audiência de conciliação ou
de mediação, previsto no artigo 334 do Novo CPC.
Em tempo, no novo procedimento comum [1],
estruturado a partir do artigo 318 do Novo CPC, a regra é a realização da
audiência de conciliação ou mediação no início do processo, logo após a
apresentação da inicial e a decisão sobre sua admissibilidade (artigo 334).
No particular, o Novo Código, em alteração ao modelo processual
vigente (CPC de 1973), conduz inicialmente as partes à solução consensual da
controvérsia, para depois, frustrada a possibilidade de autocomposição,
passar-se propriamente à fase da resposta. Essa alteração na indução operada
pelo Código, conciliação-defesa, importa em ruptura ao sistema em vigor [2],
defesa-conciliação.
Contudo, neste momento, o que nos toma tempo, é a existência de
prazo, interstício mínimo, entre a realização da citação para comparecimento à
audiência e a própria realização desta, ou seja, o intervalo de vinte (20) dias
estabelecido no artigo 334 [3].
Em análise
irrefletida, talvez por apego à tradição burocrática, tendemos a ver no aludido
prazo exigência de ordem prática, administrativa, destinada a permitir a
organização da audiência e a realização das comunicações respectivas (citações
e intimações).
Então, os períodos de tempo estabelecidos na caput do artigo 334 serviriam ao cumprimento
das atividades orgânicas do Poder Judiciário, principalmente possibilitar a
realização dos atos de comunicação imprescindíveis à consecução do ato.
Tal
perspectiva reducionista das finalidades do dispositivo traz como consequência
o comprometimento da sua eficácia, pela ausência de maiores discussões sobre o
seu descumprimento, quando efetivadas as comunicações das partes antes da
audiência, ainda que inobservado o prazo intervalar.
Porém, pretendemos ter nesse intervalo mínimo — interstício
reflexivo que
deve mediar antes da realização da audiência —, necessário momento destinado à
reflexão para tomada de posição.
Via de
regra, o tempo ingressa no processo como limite ao exercício dos atos
processuais, pelo que, para o responsável respectivo, opera negativamente,
restringindo sua liberdade na realização dos seus atos.
Agora, o
tempo pode também assumir no processo outras potencialidades, como interstício
que consente a parte a possibilidade de maturar as questões nas quais
envolvida.
Nessa
compreensão, podemos extrair que o devido processo legal, em determinadas
situações, impõe que a realização de determinado ato processual seja precedida
de intersecto reflexivo, logo não imediatamente, possibilitando o
amadurecimento das posições respectivas.
Isso se dá no campo constitucional, quando envolvida questão de
inegável envergadura (v.g. artigos 29
e 32 da Carta Magna, que tratam da edição das Leis Orgânicas), certamente
visando que o tempo possibilite a melhor tomada de decisão, a destilação do
suprassumo decisório.
Parece-nos
que a mesma lógica preside o art. 334 do Novo CPC.
O prazo
aqui tem como objetivo não limitar o tempo em que o ato pode ser realizado, mas
sim um ínterim em que, de forma alguma, o ato pode ser efetivado.
A bem da
verdade, de nada adiantaria o Código estabelecer como diretriz determinante a
solução consensual das controvérsias, estimulando a abertura ao diálogo e a
superação do dissenso, acaso não estruturasse a fase de conciliação e mediação
rente a tais objetivos.
O Código
apreendeu bem tal necessidade, na exata medida em que, para além de mero
capítulo das sessões da audiência (artigos 331 e 447 do CPC/1973), a
conciliação e a mediação passam a ser momento processual próprio, com
regramento destinado a valorizar e incentivar a autocomposição, sem prejuízo de
comporem a estrutura processual no início, meio e fim.
O
interstício de reflexão compõe tal regramento, verdadeira mola mestra para o
exercício da autonomia da vontade, da decisão informada e da independência das
partes (artigo 166 do Novo CPC), permitindo a parte a análise de sua posição
jurídica e, consequentemente, a reflexão sobre os benefícios da solução
consensual da controvérsia.
Assim, o
tempo que tudo cura e normalmente depura, pode servir ao processo, distendendo
a apresentação da resposta para depois de um momento em que a parte refletiu
sobre os benefícios da autocomposição sem estar premida pela necessidade
imediata da apresentação da resposta.
Portanto,
devemos ter no artigo 334 do Novo CPC, no prazo mínimo estatuído para a
realização da conciliação ou reflexão, neste interstício de reflexão, regra de
ouro para estimular a conciliação e a mediação, pois esse tempo de avaliação
pode ser decisivo no êxito da autocomposição.
Obviamente, o descompasso na observância do prazo do artigo 334
do Novo CPC será superado na perspectiva da instrumentalidade do processo,
sendo que o eventual não comparecimento da parte ao ato — aplicação da multa
(artigo 334, § 8o, do Novo
CPC) —, restará absolvido pelo artigo 218, § 2o, do Novo CPC[4].
Todavia, o
Novo Código impõe alteração na postura dos atores processuais.
Não existe
mais espaço para o atendimento das regras processuais ser pautada na lógica das
nulidades, isto é, que os atos processuais só sejam respeitados quando
envolvidas nulidades ditas absolutas. Essa é uma perspectiva distorcida, a qual
dá mais valor ao ato pela ótica de sua nulidade do que pelos objetivos que visa
atingir ou proteger. O raciocínio formalista não se coaduna com os novos
tempos. A obediência ao ato não pode estar atrelada à questão da irregularidade
ser (in)superável (pois todas são), mas no valor intrínseco ao mesmo.
A regra do
artigo 334 do Novo CPC merece ser prestigiada pelos atores processuais,
respeitando o interstício de reflexão ali estabelecido, como expressivo de uma
nova visão de processo, em que a autonomia da vontade das partes passe a ser
valorizada e estimulada nos espaços processuais, bem como a regra seja a
solução consensual dos conflitos.
O tempo de
reflexão conferido à parte antes da audiência, não premida pela necessidade de
apresentação imediata da resposta, resultará na maior eficácia da fase de
conciliação ou mediação, o que, só por si, incita para sua observância.
Respeitar
o tempo dos outros é o desafio.
————————————————————————————————————————
[1] No novo
Código não existe mais o procedimento sumário, pelo que aplicável, regra geral,
o procedimento comum para a generalidade das pretensões das partes.
[2] Estamos
falando do procedimento ordinário. Ainda, no procedimento sumário e no
sumaríssimo (juizado especial), inexiste fase autônoma para realização da
mediação ou da conciliação, vez que são momentos da audiência, tanto que,
frutadas, a parte imediatamente deverá apresentar sua defesa.
[3] O prazo
será de quinze (15) dias nas ações de família (artigo 695, § 2o, do Novo
CPC).
[4] Da
análise do dispositivo pode-se concluir que as intimações somente obrigam as
partes quando atendidos os prazos legais ou fixados pelo juiz.
————————————————————————————————————————–
*Zulmar Duarte é é advogado. Professor.
Pós-Graduado em Direito Civil e Processual Civil. Membro do IAB (Instituto dos
Advogados Brasileiros) e do CEAPRO (Centro de Estudos Avançados de Processo).
————————————————————————————————————————–
Originalmente
publicado em: http://jota.info/conciliacao-e-mediacao-no-novo-cpc-intersticio-reflexivo
No dia
8 de Junho, 2015